Se fazendo feito

Uma escrita sobre o processo de convergir a uma existência possível, mas não absoluta.

Daniel Felipe Lopes dos Santos

8/10/20242 min read


Nasceu de um momento. Repentino e incerto. Nove meses após a clausura, foi lançado ao mundo e de um berro, que não se sabia poder, descobriu o fôlego.

Estava vivo. Liberdade, coisa terrível.

Misturado aos fios das fraldas, da vida, coisa essa ainda por ser definida.

Ganhou boca, dedos, mãos, ouvidos. Regente do mundo, se aventurou, contra a vontade nas impossíveis sensações do existir.

Foi conduzindo, no escuro, uma carruagem sem rédeas.

Entre o frio calor vazio. Se descobriu portador de pernas e pés. Coisas que desgastam, doem e que te lançam com força ao chão. Risco iminente à integridade do solo, azulejos e pisos. Não se sabe porquê ou por quem, mas os outros lamentam aflitos, quase sem fôlego: “Ai”. Mais um piso que se foi.

Reparos elaborados com bocas milagrosas são o suficiente para que o mundo volte a andar.

Que coisa é essa de andar? Capaz de diminuir a distância entre um mundo que não atende mais o querer. Gritos e choros, avançadas técnicas aprimoradas pacientemente não são mais o suficiente. É preciso andar. Muitas vezes com a confiança de quem não sabe para onde vai e, sendo assim, precisa descobrir os caminhos. Gramas, asfalto, pedras,galhos. Coisas feitas para serem pisadas e que aguardam generosamente pelo pé.

E que tragédia, descobrir que se pode correr e ter andado esse tempo todo. Abram espaço, o mundo agora será feito pequeno.

E que tragédia, depois de começar a correr, descobre-se o destino. Há jeitos certos de correr e todas as gramas, asfaltos, pisos, pedras e galhos, já foram pisados. Agora você está atrasado.

Nasceu de um momento repentino e incerto, em um mundo todo pisado de “UM” jeito certo.

Seus pés tem lugares a serem colocados, calçados. Postura. Outros já andaram antes de você, outros já corriam antes de você. Como pode ficar parado?

Um pé depois do outro, mas e cansaço?

Um pé depois do outro, mas e a dor?

Um pé depois do outro, mas e a alegria?

Um pé depois do outro, mas e a grama?

um pé depois do outro, mas e os pés?


(Imagem: Cândido Portinari (1903-1962) Meninos Soltando Pipas, 1941)